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JAGUARIBARA

a economia ameaçada de uma nova cidade

INICIO

De 1956 a 2001, Jaguaribara, localizada no Vale do Jaguaribe, a aproximadamente 300km da capital, Fortaleza, foi uma cidade no interior do Ceará com pouco mais de 8 mil habitantes, que viria a ser submersa pelo Açude Castanhão e sua população, transferida para uma nova sede.

 

A partir de 1985, o Governo, juntamente com o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas(DNOCS), iniciou um projeto para cessar as enchentes da região do baixo Vale Jaguaribe, que seria a construção de uma barragem. A princípio, o projeto do DNOCS era a construção de 12 barragens de porte médio espalhadas pelo Estado, visando a democratização da água, o que beneficiaria também outros municípios. Porém, ficou determinada a obra do Açude Castanhão, uma barragem de grande porte, nas regiões de Alto Santo, o que resultou na submersão do município de Jaguaribara.

 

Em 2001, Jaguaribara foi desocupada, as casas e estabelecimentos foram demolidos, e seus habitantes, realocados para a “nova Jaguaribara”, que é uma cidade projetada, localizada a aproximadamente 40km da antiga sede do município, com ruas pavimentadas, avenidas sinalizadas, infraestrutura de água e saneamento básico, serviços que não haviam na velha Jaguaribara. O Governo do Estado conduziu a implantação da barragem assegurando a justa compensação a todos os atingidos, dessa forma, casas e propriedades dos moradores na antiga cidade, passaram a uma propriedade equivalente na nova, como forma de indenização.

 

A OBRA DO CASTANHÃO

Uma das preocupações dos jaguaribarenses quanto à nova cidade, era emprego e renda. O Governo se comprometeu com o desenvolvimento, levando órgãos como o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial(Senac) e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas(Sebrae) para a cidade, oferecendo cursos e capacitações nos primeiros anos de existência da cidade.

 Além disso, uma ajuda de custos para as despesas da cidade também foi fornecida até 2012, como conta o atual prefeito, Joacy Alves: “era um custeio que, na época, era de 96 mil reais, para a manutenção da cidade. Essa ajuda durou até 2012 e, infelizmente, o benefício foi cortado pelo Governo do Estado. Quando assumimos, em 2016, tentamos reativar essa ajuda, tendo em vista as dificuldades da cidade, mas infelizmente, tivemos uma resposta negativa”, declara.

A Superintendência Estadual do Meio Ambiente(Semace) organizava

A secretária de Desenvolvimento Econômico, Aquicultura e Pesca do 

sessões quando eram convidados assessores técnicos, engenheiros e a população jaguaribarense, como conta Célia Guabiraba, pedagoga e uma das fundadoras do Instituto da Memória do Povo Cearense(Imopec), “a população comparecia, fretava ônibus, muitas vezes sem condições, e participava ativamente. Algumas sessões eram tumultuadas, outras mais tranquilas”, afirma.

Cássio Borges, engenheiro do DNOCS

município, Livia Barreto, relata também sobre o plano diretor que foi criado. “A cidade foi construída na época do governo Tasso [Jereissati]. Havia um plano diretor que norteava a parte econômica do município por 20 anos. Então, os próximos governadores deveriam seguir esse plano, dentro dele estava os projetos Curupati, Alagamar, Mandacaru, a piscicultura, as fábricas. Mas, esse plano não foi cumprido no decorrer dos   anos   por   questões   políticas",

na época, se opôs à obra. “Em 1985, surgiu no cenário do Ceará a possibilidade da obra do Castanhão. Você vai ver que todos os técnicos da época eram contra a obra, até os que, mais à frente, viriam a ser cem por cento a favor”, diz. Cássio conta que sempre defendeu o projeto original daquele departamento: “no meu entendimento, era a melhor solução para o Vale do Jaguaribe. Está envolvida, também, toda a questão de Jaguaribara que, afinal de contas, foi a que mais sofreu as consequências da irresponsabilidade desse pessoal”, opina.  

ressalta. Hoje, a economia da cidade se encontra completamente desestabilizada e a prefeitura encontra dificuldades para gerir o município.

Em 1985, surgiu no cenário do Ceará a possibilidade da obra do Castanhão. Você vai ver que todos os técnicos da época eram contra a obra, até os que, mais à frente, viriam a ser cem por cento a favor.

- Cássio Borges

A OBRA

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Expectativas para a nova cidade

Fala de um morador, veiculado no jornal Diário do Nordeste, sobre a expectativa de emprego e renda na Nova Jaguaribara.

(Foto: arquivo IMOPEC)

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Carta aberta feita pelos moradores de Jaguaribara para os governantes em 1992. 

(Foto: arquivo IMOPEC)

A ECONOMIA

COMO A ECONOMIA S   BREVIVE

A preocupação da população jaguaribarense com relação à sobrevivência econômica da cidade é perceptível, já que é totalmente dependente e refém do Açude Castanhão. O reservatório foi afetado severamente pela a seca, entrando em decadência e trazendo dificuldades para todas as fontes de subsistência no seu entorno. Após a mudança da sede do município, foram perdidas criações de animais, plantações e culturas festivas que geram movimentação de capital, trazendo a longo prazo um desfalque no setor comercial. Na antiga cidade, a economia era basicamente dependente da produção agropecuária e da piscicultura, mas  precisou adaptar-se ao novo cenário. 

 

Para fugir dos problemas do município relacionados ao emprego, o atual prefeito trouxe à cidade a Feira de Negócios de Jaguaribara (FENEG) com o intuito de incentivar o comércio. A secretária de desenvolvimento econômico, Livia Barreto, fala da importância de incentivar os trabalhadores autônomos. “O propósito da Feira de Negócios foi incentivar a formalização das pessoas daqui. Muitos empreendimentos não tinham reconhecimento por não ter CNPJ e o empreendedor não tinha seguridade com compra e venda”, disse Lívia.

 

Hoje, mesmo com uma população estimada de apenas 11.359 habitantes, somente 6,7%  da população jaguaribarense é ocupada com empregos formais (de carteira assinada), enquanto o restante da população apta a trabalhar busca alternativas de serviços autônomos. Muitas vezes sem informação básica sobre direitos trabalhistas, como acesso a aposentadoria por idade. Este é o caso do agricultor Antônio Vidal Maia, 64 anos, que faz trabalhos de jardinagem como renda extra, pois o que planta é suficiente apenas para que ele e sua família se alimentem.  “Aqui (Nova Jaguaribara) é seco, nós não temos água, só tem um pouquinho de água no Castanhão. Dinheiro aqui [não existe], quando me pagam 150 reais e eu vejo [o dinheiro], eu digo: ‘será que é 150 [reais] mesmo?’”, lamenta Sr. Vidal.

Por outro lado, existem pessoas que preferem as oportunidades da nova cidade, visando a chance de empreender. A professora Hilda Félix, 36 anos, viu a necessidade de começar seu próprio negócio como uma renda extra, então, Hilda decidiu comprar alguns pintos e montar um pequeno galinheiro. “Antes de comprar os pintos, eu fiz logo o viveiro, aí foi tudo muito rápido. Fiz o viveiro e depois comprei 300  pintos e todo  mundo dizia  que  não ia  dar certo, mas gosto  de 

desafios e enfrentei. Acordo quatro e meia da manhã, porque às sete entro no colégio. Então, cuido [do viveiro] de quatro e meia até às seis. Varro todo dia, lavo os depósitos de água e dou alimentos a eles. Quando chego, na hora do almoço, vou trocar as águas e dar comida de novo”, detalha seu cotidiano de dupla jornada. Como Hilda, muitos em Jaguaribara exercem múltiplas tarefas para sobreviver.

 

Apesar das dificuldades com empregos formais, o empresário Clodomarcos Sousa, ou Codó, como é conhecido na cidade, orgulha-se pelo seu empreendimento, com sede na cidade. "Geramos 20 empregos diretos. Tem 5 pessoas que já criaram seu negócio a partir daqui. O bom disso aqui é o fruto do negócio. O lucro é bom, mas tem que ter algo além do lucro, como satisfação, poder ajudar. A questão  é a oportunidade,  que muitas vezes  não tem",  diz.  Codó conta que seu empreendimento na padaria e lanchonete que hoje é um dos poucos locais a gerar emprego formal na cidade, além da Prefeitura, surgiu da necessidade. "Meu negócio surgiu da necessidade. Tanto minha quanto da cidade. A minha era financeira, já que por conta da mudança [da cidade], a gente vivia da agricultura, mas depois não tiveram mais condições e eu fiquei desempregado. Fui trabalhar na padaria, fiquei um ano como faxineiro. Depois, fui vender salgado na bicicleta e em 2005 fiz um curso de padeiro e confeiteiro pelo Sebrae", relata. Hoje, sua lanchonete é um ponto de encontro na cidade e referência na culinária local.

 

Apesar dos esforços, a cidade continua tentando fugir da sua falência econômica, levando em conta a falta de empregos formais que garantem estabilidade e direitos adquiridos perante as leis trabalhistas.

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PISCICULTURA

PISCICULTURA E A CRISE NO CASTANHÃO

Depois de concretizada a obra do Açude Castanhão, uma das viabilidades para o desenvolvimento econômico na região de Jaguaribara foi o Projeto de Piscicultura do Açude Castanhão. O projeto, original do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), previa o cultivo de tilápia tailandesa em gaiolas flutuantes com apoio financeiro do Banco do Nordeste em parceria com a Prefeitura de Nova Jaguaribara e Governo do Estado do Ceará.

 

Na época, grupos de pescadores foram esclarecidos das vantagens que a piscicultura traria, como facilitar a retirada e o manejo dos peixes, além de serem auxiliados para a nova técnica de pesca.  

 

Os pontos positivos da piscicultura na região estão associadas à dimensão socioeconômica da atividade, caracterizadas por incremento dos arranjos produtivos locais, garantia da segurança alimentar, promoção da inclusão social e da territorialização, por meio da oferta de emprego e de renda. Já nas características negativas associadas à prática, existe a possibilidade de degradação ambiental devido ao aumento da matéria orgânica nos açudes provocado pelo excesso de ração e excrementos decorrente da elevada densidade de estocagem, levando à diminuição da capacidade de suporte do sistema, eutrofização, diminuição do oxigênio dissolvido e mortandade de peixes.

ANTES

“O governo deu toda a base para a criação de peixes, já que, com a mudança da cidade, foi prometido à população meios para geração de renda”, relata o piscicultor jaguaribarense Francisco Edvando, 44.

 

Segundo ele, antes de sua entrada para o ramo, outros piscicultores já teriam formado uma associação com a ajuda do então prefeito de Jaguaribara, Cristiano Maia, empresário do setor. Mas, o resultado não foi satisfatório. “Eles fizeram dívida atrás de dívida”, explica Francisco.  

 

Observando os erros dos primeiros produtores, Francisco e seus amigos decidiram iniciar “sem reproduzir o mesmo erro”. E deu certo. “Foi o auge da cidade, a época que Jaguaribara teve renda”, acrescenta. Visando a prosperidade do negócio, as pessoas que trabalhavam em outros setores e assentamentos da região migraram para o ramo da piscicultura. “Formamos sete associações, mais de mil famílias trabalhando na piscicultura e era, praticamente, a única renda que a cidade tinha. A única fábrica que Jaguaribara tinha: a piscicultura”, declara o piscicultor.

O peixe produzido é usado para vários setores. Na culinária, a tilápia ganha espaço com hambúrgueres e bolinhas de peixe, além dos já tradicionais preparos, como a peixada. No artesanato, utiliza-se do couro para desenhar e colorir bolsas, carteiras, entre outros. As vísceras, antes descartadas, passam a ser utilizadas para extrair óleo destinado à produção de biocombustível, de acordo com uma pesquisa feita pela Fundação Núcleo de Tecnologia Industrial do Ceará (Nutec), vinculada à Secretaria da Ciência Tecnologia e Educação Superior do Estado (Secitece).

 

Assim, a produção de tilápia no Castanhão gerou muito lucro. Chegou a ser responsável por 50% da produção de peixe em gaiolas no Ceará e em 2014, o Brasil se tornou o primeiro país na produção de tilápia, com 90% da produção original do Ceará e concentrada no açude Castanhão, segundo o IBGE.

 

Francisco explica que a maior parte do dinheiro lucrado com a venda dos peixes era utilizado para a produção, dessa forma o negócio girava e crescia. “No começo, era muito bom. Não havia dificuldades. A cada ano a produção aumentava e, com isso, a renda também” conclui.

CRISES

 

A situação mudou. A partir de junho de 2015, com o nível de água reduzido, o Castanhão começou a enfrentar uma série de crises a partir da ocorrência de mortandade dos peixes.“Todo mundo ficou sem lucro, sem capital e bastante endividado”, conta Francisco Edvando.

Segundo Lívia Barreto, secretária de Desenvolvimento Econômico de Jaguaribara, 60% da economia local girava em torno da piscicultura que foi abatida por causa da crise hídrica e da mortandade dos peixes. Toneladas e mais toneladas de peixes foram achados mortos e o valor do prejuízo foi de 21 milhões, segundo levantamento da Associação dos Piscicultores junto com a Prefeitura do Município. Cerca de 1500 famílias que trabalhavam com a piscicultura sofreram as consequências.

Após investigar a possível causa da morte desses peixes, foi descoberta uma técnica de movimento das válvulas do açude aplicada na época pela Companhia de Gestão de Recursos Hídricos (COGERH), e que teria sido a razão do colapso na aquicultura da região. “[A COGERH] criou um método para soltar uma quantidade grande de água, que chegaria mais rápido até o limite final [do açude], abastecendo mais rápido as regiões e evaporando menos. Mas, eles não calcularam o impacto dessa técnica”, explica.

 

O agravante foi o açude estar com nível baixo de água para aplicar a manobra. “Quando eles faziam isso com o açude cheio, não havia muito impacto, mas quando foi feito com o Castanhão a 20% da capacidade, o resultado foi a mortandade dos peixes. Por causa da água rasa, quando as válvulas fechavam rapidamente, essa água batia [nas válvulas fechadas] e voltava como uma onda invertendo o fluxo. A força da água remexeu o fundo do açude, levando a água de baixo para cima. E quando essas águas se inverteram, o açude ficou sem oxigênio”, explica Francisco Edvando, que perdeu toda a sua produção na época, assim como seus colegas. 

O governador do Estado, Camilo Santana, os principais veículos de comunicação e entidades locais foram mobilizadas para a região, que decretou estado de calamidade.

O Governo se comprometeu a fazer toda a projeção econômica das perdas. Em maio de 2016, mais uma mortandade. E a causa, segundo a secretária Lívia Barreto, foi a mesma do ano anterior. “Ele [o governador] direcionou 4 milhões. Mandou 2 milhões no mesmo ano ao pessoal que perdeu [sua produção].  [Os piscicultores] investiram de novo e, no ano seguinte, a mesma coisa aconteceu. Então, quem teve coragem de investir novamente na época, perdeu tudo outra vez” conclui.

 

Com todos os acontecimentos, a produção enfraqueceu e a economia da cidade ficou ameaçada. Buscando outras maneiras de sustento, muitos piscicultores voltaram para o seus antigos empregos. “Eu, por exemplo, voltei a ser metalúrgico”, explica Francisco Edvando. Segundo ele, 15% dos produtores ainda estão presentes no Castanhão em busca de algum retorno. Alguns migraram para outros açudes. “Juntei um grupo e nós fomos para o Rio São Francisco, em Pernambuco. Porém, lá não deu resultado, por causa da temperatura que chega a 20°C e a tilápia necessita de uma temperatura ideal para ser criada”. Diante da atual situação, Francisco faz uma alerta, “se não tiver uma recarga d'água esse ano no Castanhão, a piscicultura da região vai ser extinta”.

Hoje eu não posso dizer que tenha uma força na piscicultura, há uma resistência.

- Livia Barreto

AGROPECUÁRIA
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AGROPECUÁRIA

A economia da antiga cidade era baseada na agropecuária. Segundo o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (Ipece), nos anos 1990 a 2000, a maior parte da população era rural e vivia da agricultura. A terra era fértil e a água do rio Jaguaribe era de fácil acesso, o que favorecia o cultivo de frutas e legumes nas vazantes, principalmente o feijão e algodão sendo, Jaguaribara, um dos maiores produtores agrícolas da região nordeste do país. O plantio era usado tanto para o consumo interno quanto, em grande parte, para exportação. A parte mais populosa da cidade continuava sendo rural ainda em 2012, quando apenas 13 pessoas viviam diretamente da agropecuária, também dados do Ipece. O que se observa é que a situação não mudou nos últimos anos e a população permanece no campo.

Antônio Vidal Maia, de 64 anos, é mais uma das pessoas que tirava a renda da agricultura, como ele mesmo relata: “Tinham vezes que a gente tirava de 50 a 60 sacas de feijão, todo mundo vendia feijão”. Hoje, com a transferência da cidade, a agricultura é afetada pela seca, pois o clima semi-árido da região não favorece o cultivo e a distância da margem do açude dificulta a irrigação, fazendo Vidal plantar apenas para consumo próprio. Segundo Livia Barreto, a secretária de desenvolvimento econômico, a terra da atual cidade é fértil, mas, o que falta, são incentivos para irrigação. "Aqui é necessário fazer a produção irrigada e para isso tem que ter incentivo, porque tem que gastar com energia, com os equipamentos e isso os agricultores não conseguem. A nossa terra é mais fértil do que a da Jaguaribara Velha, mas não há políticas públicas para incentivar essas pessoas a produzirem, a diversificarem", relata.

Com a baixa produção agrícola, a pecuária também é afetada. Sem colheita não há como alimentar o gado e, com a seca, os animais não tem o que beber. O contrário do que foi prometido pelo Governo do Estado, a construção da barragem e a transferência da cidade garantiria o acesso às terras para a produção agropecuária e um sistema de irrigação, mas os serviços realizados não funcionaram. Com a baixa quadra chuvosa na região Jaguaribana, a seca castiga quem depende de água para viver, dificulta o cultivo e a criação de gado. Atualmente, apenas a piscicultura resiste, mas também sofre com a crise hídrica.

SESSENTA E QUATRO ANOS DE HISTÓRIA

Nascido e criado em Jaguaribara, Antônio Vidal Maia, 64 anos, sempre viveu da pesca, agricultura e pecuária, de onde sempre tirou, mesmo que pouco, o seu sustento. Casado há mais de 40 anos com Maria Maia, 60 anos, tiveram 11 filhos. Na mudança da velha cidade, tiveram que dividir por muito tempo uma pequena casa dada pelo governo.

 

Hoje ele faz parte da grande porcentagem de jaguaribenses “desocupados” nas estatísticas oficiais. Sem nenhum incentivo ou ajuda, sobrevive do que planta e da troca de favores. Não dá mais para vender o que colhe e o dinheiro dos favores só dá para pagar a conta de água e de energia. “Eu não vendo é nada, tudo o que eu planto é pra barriga”, diz.

 

Assim como todas os conterrâneos, Vidal se viu obrigado a sair da velha cidade. Embora tendo resistido até o fim, quando saiu de lá já não tinha mais nada, passou dois dias sem ter o que comer. Perdeu quase tudo, deixou para trás muitas coisas que não teve como transportar. “Alguma parte eu trouxe, já outra… acabou, da nossa cidade pra cá, ninguém veio com quase nada, você sabe o que é nada? Porque quem tinha gado, não tinha mais onde criar, nenhuma galinha sequer a gente pode trazer pra cá e hoje ‘nós planta’ na terra do outros”, lamenta Vidal.

Vidal é analfabeto, não teve acesso à educação, a única escola que tinha na cidade era distante, a maior dificuldade era ir e vir todos os dias, o que acabou o desestimulando. Alguns de seus filhos foram para outras cidades em busca de melhorar a vida, outros quatro morreram, e um está preso em Jaguaretama.

 

Situação que só agravou o sofrimento da família. O filho de Vidal foi pego em Jaguaribara, em dezembro de 2016, enquanto estava trabalhando e deu carona a um conhecido que ele não sabia estar sendo perseguido pela polícia. Desde então, o pai faz o que pode para tentar tirar o filho da cadeia. “Eu já gastei mais de 5 mil reais pra tirar ele de lá. Só Deus sabe o destino, de quando vai acontecer isso”, lamenta.

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ARTESANATO
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O ARTESANATO QUE FICOU

Em 2003, o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac) realizou cursos de artesanato na cidade de Jaguaribara para a população recém-chegada composta por muitos desempregados. A parcela de pessoas sem trabalho era muito grande, visto que a antiga cidade era propícia para atividades extrativistas. A maioria da população se sustentava da agricultura e da pecuária, plantando e criando gado nas vazantes do Rio Jaguaribe. Com o rio distante na atual cidade e sendo necessária uma política pública para a irrigação, pois esse tipo de atividade se enfraqueceu.

 

A saída era encontrar uma nova ocupação para  os habitantes e o artesanato era um nicho a ser explorado.  O artesanato com o couro da tilápia, peixe bastante apreciado não só no Brasil como também no exterior, é pioneiro na região. Segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, o Brasil exportou no primeiro trimestre do ano de 2017, 182 toneladas de tilápia para os EUA, sendo a cidade de Jaguaribara responsável por 50% dessa produção no estado do Ceará.

 

Maria da Conceição, ou Dodó, 50, como é conhecida na cidade, hoje é uma das participantes da Associação dos Produtores de Processadores de Peixes de Jaguaribara e Lages (Aplages) que, desde 2003, atua no município. “Na antiga cidade, as comidas que a gente plantava era pra vender e comprar outras comidas, agora a gente vive um pouco melhor. Tínhamos 36 cabeças de bode e tivemos que vender pra vir pra cá, porque aqui não tem lugar nem pra plantar e nem para criação. Quando chegamos aqui, não tinha emprego. Nem eu e nem meu marido. A gente trabalhava com uma coisa aqui, com outra acolá”.

Dodó comemora o fato de seu perfil ter se adequado às exigências dos cursos oferecidos, pois estes aperfeiçoaram uma vocação para trabalhos manuais surgida ainda na infância.  “Mesmo quem fosse artesão, mas tivesse um emprego, não se encaixava no curso do Senac. Tinha que ser desempregado. Eu trabalhava com ponto cruz e crochê desde a antiga cidade. Hoje trabalho com o couro de peixe”,  explica a artesã sobre sua atual especialidade a partir dos cursos oferecidos por ocasião da transferência.

As peças são todas feitas num ateliê localizado em um antigo espaço da empresa Queiroz Galvão, uma das empreiteiras da obra do Castanhão. O prédio foi doado para uso do município e posteriormente direcionado para  o grupo de artesanato, mantendo até hoje a cessão de uso do local. O couro da tilápia é armazenado em freezers, levado às máquinas de curtição para ficarem limpos, sem odor e prontos para uso. Há duas máquinas de curtição doadas pelo Governo do Estado no local, mas apenas uma funciona, relata José Filho, marido de Dodó. Piscicultor prejudicado após a crise do açude Castanhão, José Filho resolveu abandonar o ramo para ajudar sua esposa no artesanato. “Antigamente eu era profissional da pescaria, não tô pescando agora porque não tem onde, tá tudo seco”.

 

Mesmo com a crise na piscicultura, a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Lívia Barreto, ainda vê o artesanato como uma das forças resistentes. “O grupo de artesanato resistiu porque já tinha estocado muito [couro curtido]. Já tinha uma solidez [econômica], independente total de governo e prefeitura”. Em 2015, foi entregue à cidade o Centro de Artesanato, um projeto da gestão da ex-prefeita Maria Emília Diógenes (2004 - 2008), que deu a esses artesãos um local para que pudessem trabalhar com permissão de uso durante 20 anos.

 

Dodó também relata, orgulhosa, que já participou de feiras, como as da Central de Artesanato do Ceará (Ceart), mas ainda sente falta de incentivo dos governos., “Tem que ser um coisa feita com amor, porque aqui não dá pra gente sobreviver só do artesanato (...) O que mais a gente sente falta é o incentivo, porque não tem um transporte pra levar a gente pra Fortaleza, não tem um órgão do Governo que ajude a exportar, ou ajudar financeiramente”.

Eu trabalhava com ponto cruz e crochê desde a antiga cidade. Hoje trabalho com o couro de peixe.

- Maria da Conceição

UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA

Para que você entenda um pouco mais da história da cidade, trouxemos o mini documentário "Jaguaribara: uma história de resistência", de Lianne Ceará e Marta Negreiros.

 

Dedé é agricultor e ainda reside nas proximidades da antiga cidade. Quando o Açude está cheio, vê a água bater na porta de casa e amarra a canoa na sala. Apesar de todas as dificuldades, Dedé decidiu ficar por lá. Dedé aprendeu com sua cidade a arte da resistência. 

DOCUMENTÁRIO

QUEM SOMOS

Quando pequena, no tradicional (e extinto) festival do peixe em Jaguaribara, me vi em meio a inúmeras pessoas chorando. Ao perguntar o porque aos meus pais, ele apontavam para um telão imenso que passava imagens da antiga Jaguaribara e respondiam que a casa deles havia sido destruída. Eu, com inocência, dizia que íamos pegar baldes e tirar toda a água de lá.

Cresci e entendi. E cresci em meio a um povo acolhedor, que tal qual Ariano Suassuna disse “não esmorece e procura vencer”. Cresci apaixonada pela nova Jaguaribara, não me recordo da antiga. Cresci apaixonada pela história desse povo, dessa cidade. Agora, estou na faculdade e pude contar a história deste povo. Encontrei colegas generosos que toparam contar essa história comigo. Colegas que percorreram o trajeto Fortaleza - Jaguaribara para conhecer esse povo. Acreditamos que jornalismo é isso: ir onde o povo está. 

Apesar de sermos ainda aprendizes, esse trabalho nos proporcionou estar nas veias do Jornalismo, e nessas veias correm gente, vozes, histórias. E, à essa cidade e ao seu povo, nosso agradecimento.

Acreditamos no Jornalismo e acreditamos que Jaguaribara, apesar de pequena, tem grandes ensinamentos para todos, por isso decidimos percorrer todos os quilômetros necessários, olhar no olho desse povo, ouví-los e contar essa história.

- Lianne Ceará

QUEM SOMOS
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